Cartas de Joel Rufino para o seu filho

Joel Rufino dos Santos. Carta para o filho [Letter to his son], 1974
Joel Rufino dos Santos. Carta para o filho [Letter to his son], 1974

Alguns professores nos ensinam mais do que o previsto em lei. Joel Rufino dos Santos deve ter sido um professor assim, alguém que, ao falar sobre os acontecimentos e as ideias do passado, é capaz de transformar o entendimento do presente e gerar novos desejos para o futuro. No início dos anos 1960, Rufino dos Santos integrou uma equipe, liderada por Nelson Werneck Sodré, encarregada de escrever a coleção História Nova do Brasil, um conjunto de livros didáticos que eles mesmos definiam como a “Reforma de Base no Ensino da História”. Reescrever e recontar a história do país era parte de um projeto de nação que visava o fim do analfabetismo, com o Método Paulo Freire; reformas estruturais, que incluíam a democratização da terra; justiça fiscal e direito à moradia. Foi por esses anos, também, que Thiago de Mello escreveu “Madrugada camponesa”: “Faz escuro (já nem tanto), / vale a pena trabalhar. / Faz escuro mas eu canto / porque a manhã vai chegar”.

É difícil não nos perguntarmos em que país viveríamos hoje se João Goulart não tivesse sido deposto. Mas a história foi outra. E o projeto que apontava a um Brasil mais igualitário viu-se interrompido pelo golpe militar de 1964, iniciando um período de mais de vinte anos em que o Estado prendeu, torturou e executou homens e mulheres que trabalhavam pela chegada desse novo dia.

Thiago de Mello não foi exceção. Nem o foi Joel Rufino dos Santos, preso em 1972, quando seu filho, chamado Nelson em homenagem a Werneck Sodré, tinha oito anos. Durante os dois anos em que esteve encarcerado, sem outra acusação que não o teor de seus escritos, Joel enviou a seu filho as cartas que aqui estão. Cartas escritas na prisão, revisadas por censores, carimbadas, enviadas por correio, seguradas pelas mãos do Nelson, lidas em voz baixa, lidas em voz alta por Teresa Garbayo dos Santos, guardadas por anos, relidas e finalmente tornadas públicas. Cartas que falam de amor, de saudades, do dia a dia no cárcere; cartas que falam da história deste país, que ajudam a entender o presente e criar desejos para o futuro. Cartas que, como as obras ao redor, apontam para as frestas que permitem driblar a censura e escapar de aprisionamentos, seja fisicamente, seja com imaginação e criatividade. Vale a pena lê-las. Pois elas podem, como escreve Thiago de Mello na apresentação do livro que reúne essa correspondência, “lavar das aderências de enganos que nos fazem dano à vida, ferem a nossa inteligência e mancham a infância que lateja no peito do homem”.





  1. Caroline A. Jones, Eyesight Alone: Clement Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
  2. Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
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